BEIRE

Há envelopes que falam alto…

"De um anónimo gaiato"

Não sei se é já a pieguice dos meus oitentas ou se tudo ISTO é mesmo de enternecer. Sobretudo pela novidade, nos tempos que correm. O envelope foi entregue em mão ao P.e Telmo. A letra é-me familiar e eu ainda vejo a mão que o escreveu. Já meio trémula, pelo peso dos anos - a ultrapassar os 90. Leio: "De migalhinhas se fazem migalhas que dão pão... De um anónimo gaiato". Depois, como que em rodapé, e entre parêntesis: "De longe a longe, tenho feito outras migalhas, que entreguei em mãos a P.e Baptista". Sei que é verdade. Volta e meia, P.e Baptista, com justificado orgulho, refere que muitos antigos gaiatos nutrem pelo Calvário uma particular devoção. E relata visitas que recebe, donativos que lhe chegam. Pudera. Há antigos gaiatos que sentiram bem na pele, sua e/ou de seus progenitores, os efeitos e as consequências da falta de um Calvário que aponte para a Ressurreição. ISSO que nos mata esta insaciável fome de mais vida e vida em abundância.

Sei de outros, também anónimos gaiatos. Aparecem pelo correio, escondidos em envelopes que parecem comuns, mas que são muito próprios e exclusivos. Alguns até aproveitam a ocasião do fazer a sua partilha para nos dizerem como comungam também das nossas preocupações. Olhem só esta delícia, endereçada a P.e Telmo. Nela se vê como Pai Américo marcou o pensar e o sentir destas vidas. Pai Américo, mediado pelos Padres da Rua que estiveram em contacto mais directo com estes rapazes. "Sempre que envia 'Sinais', comungo consigo. Particularmente o último. // Que Deus, na Sua Infinita Misericórdia e pelo Santíssimo Nome de Jesus, resolva influir naqueles sacerdotes que estejam a viver essa 'inquietação'. // A espera é longa. Mesmo assim temos que manter a lâmpada acesa. A fé alimenta a Esperança".

Sei ainda de outros que vão aparecendo para matar saudades, em contacto mais directo com P.e Telmo. Se for preciso até botam uma mãozinha naquilo que é da sua arte, se a Casa necessita. Electricidades. Podas - na vinha, uns; na mata, outros. E, quando menos se espera, fica a lista de umas migalhas recolhidas. Vamos a somar. Um pão que resulta de migalhinhas - três, cinco, vinte euros. No total, são 68€. Mais um bom naco de 500€. E ninguém sabe qual deles pesa mais na balança do Reino. Só o Pai do Céu, que perscruta os corações. Só Ele sabe do amor com que cada um dá. Porque muita gente viu a viúva passar pela caixa das esmolas, mas só Jesus entendeu o acréscimo de amor com que ela o fazia. Por isso a louvou. Dos outros, disse que "já receberam a sua recompensa"...

Uma carta pró Nandinho...

Vem de Coimbra e está dirigida ao "Sr. Director da Casa do Gaiato". Depois de aberta, o "Sr. Director" anota a vermelho e manda para mim: Carta dirigida ao Nandinho. Abro e leio: Querido Nandinho. Há já muito tempo que te procurava, para saber se alguém me dava alguma informação a teu respeito. Mas tudo era em vão e desisti.//Mas há pouco tempo casualmente soube que estavas em Beire. Fiquei radiante e ansiosa para comunicar contigo, ao menos pelo telefone, pois já estou um pouco avançada na idade, e de outra maneira será difícil.//Fui uma das senhoras da Obra da Rua que esteve em Miranda do Corvo na década de 1970 a 1980. (...). Um ano as senhoras foram todas a Fátima na continuação dos nossos retiros anuais.//E ao voltar de lá, ao chegarmos a Miranda tiramos todas juntas uma fotografia, que o nosso jornal O Gaiato publicou há bem pouco tempo no n.º 1858 e que eu guardo religiosamente, correste ansiosamente para mim e eu te abracei, ficando nela contigo ao colo, aqui te mando para que também a possas ver. (...). Para já abraço-te com muita saudade, assim como a essa Obra que tanto bem faz, na pessoa do seu fundador, Pai Américo a quem eu tanto devo, porque também ele foi o Pai dos meus filhos.// Deus queira que em breve o possamos ver nos altares.

Desculpai se vos amasso com estas possíveis ninharias. Mas, era Natal e o nosso Fernando (Nandinho) andava mesmo a precisar. Uma visita que nunca chega; um ombro, um colo onde pudesse retemperar os seus desgastes emocionais. Porque é fraquito, tem uma úlcera gástrica que... e, sobretudo, porque a minha família nunca me vem ver... E, se há coisas que me tocam, a fragilidade destas pessoas (com deficiência, mas pessoas...) remexe-me as entranhas. Pedem tão pouco e mostram-se tão gratos por um mimito - por mais simples que nos pareça. Assim, depois do que já aqui escrevi sobre o Fernando, esta carta pareceu-me Um Presente caído do Céu. Chamei-o ao escritório. Li-lhe a carta. Telefonamos à senhora. E a festa aconteceu. Ele, naquele tempo, era tão pequenino (agora já vai fazer 45 anos...) e, intelectualmente, é tão limitado que, por mais dicas que a senhora lhe desse, ele só dizia não me lembro...

Ali ao telefone, ela, mimou-o tanto que eu, ao ver os dois tão felizes, jurei que havia de os fazer encontrar. Até porque o Fernando e o Nána não me largam porque querem "ir a Miranda ver a D. Rosária e ir à campa do senhor Professor" (o nosso Carlos Trindade de que também já aqui vos falei). Há pedidos a que é pecado dizer não. E eu oiço o grito destes envelopes: O Reinado de Deus ainda está em marcha! Nós queremos fazê-lo avançar até que aos últimos !!!

Um admirador