BEIRE

Voluntárias/os em Pro+cesso de…

Um bocadinho de história(s). Tive de sair antes do romper da aurora. Atrás de mim ficava Beire / Calvário, com um dia pela frente. Um dia especial - "cheio de absolutamente"... — Pode ir descansado. Nós já sabemos mexer-nos aí. O Nána diz-nos onde estão as coisas e a gente lá se arranja. Era a voz de uma voluntária, bem calejada nestas andanças de nos aliviar em horas de aflição. Adivinho que ela é já uma daquelas que se sentem a sério em processo, bem assumido, de tornar-se pessoa... E dou razão a Jesus Madrid que, a seu tempo, foi presidente da Confederação Internacional dos Telefones de Ajuda. Numa formação que era necessário fazer para abrir em Portugal o Telefone da Esperança (T.E.), sempre o ouvíamos repetir com uma convicção que lhe saía de dentro: No T. E. só podemos admitir pessoas que se sintam em processo de tornar-se pessoa.E explicava porquê: - Se não, como poderemos ajudar outros a tornarem-se pessoas capazes de acreditar em si próprias?! Se não soubermos, por experiência, o que ISSO é e quanto custa, o nosso papel de agentes de ajuda não passa de um blá blá blá que não leva a nada...

O dom de saber fazer render os dons... Na semana pp, o Banco Alimentar, logo seguido pelo Intermaché, encheram-nos de kiwis miudinhos que ficaram na estante. Não seduziram o púbico. Miudinhos, já a ameaçar perder-se, mas muito docinhos. Que bons!, diziam os rapazes e os doentes. Só que, com uma oferta assim, ou se ataca logo ou muita coisa irá parar ao lixo. — Não damos vazão!... Lembrei um alerta de Las Manos Unidas, escarrapachado num chamativo placard na estação de Vigo: 1/3 da nossa comida vai para o lixo, enquanto 800 milhões de pessoas morrem de fome. Não necessitamos de mais comida. Necessitamos é de pessoas comprometidas. Lembrei nomes e conversas com voluntárias de ocasião. — Quando for assim, diga. Se a gente não puder, arranja-se sempre alguém que possa ir aí botar uma mãozinha... Liguei a saber se... — Descanse que eu já ligo. Horas depois, toca o telemóvel. — Pode ir descansado. Já temos equipa. Às 14.30h, saímos daqui. Era de Penafiel, terra natal de Pai Américo, regada pelo seu fervor apostólico e pelo suor de suas andanças. E ainda se mostra fértil. O mesmo acontece com o Porto. Se há um aperto, qualquer das duas cidades logo diz sim.

Do sempre igual, pode nascer o diferente... Porque vou aprendendo a, e gosto de, sentir-me em PRO+cesso de tornar-me pessoa (...), com os anos que vou andando por aqui, descubro coisas que gostava de não descobrir; e outras que me dá imenso gosto descobri-las. Para lhes somar o gosto de as poder partilhar convosco. Assim:

a) Gente que, por razões que não são da minha conta, pega nos kiwis ou afins, descasca à pressa (porque é muita gente), enche x taças e já tem a sobremesa preparada. Se for preciso, vem outra pessoa e faz o mesmo na refeição seguinte. Até acabar com os kiwis. Cada uma sempre com suas razões de sobejo — ... há que gastá-los antes que se estraguem.

b) Gente que, antes de se atirar aos kiwis, para a ver o que há: umas pêras, umas bananas, umas bolachas, uns yogurtes... Tudo coisas que, graças a Deus, sempre nos dão em abundância, mas de curta duração. Chegam elas, põem a cabeça a funcionar, fazem experiências. Sumos, de misturas, com um saborzinho especial. Batidos de frutas variadas. Compotas e doces de diferentes paladares. Coisas para ser gastas a curto, médio e/ou longo prazo. Provam e aprovam. - Ai, mas que bom! Pode dar-me mais um bocadinho?!...

Não deixem perder a Análise Transaccional. Vou anos atrás. Vejo-me formador em Análise Transaccional, para a gestão das Relações Intra e Interpessoais, na Obra de Santa Zita. Encontrei lá grandes mulheres que, não sendo mães de família de sangue, aprenderam a ser mães de família do coração. Nas cozinhas e dispensas, nada se perdia. Tudo se transformava. Que delícias e que milagres ali se via fazer. — Não podemos desperdiçar nada. Vamos servir em famílias pobres. É pecado deixar estragar. Somos pobres. E há muita gente a morrer de fome! Não sei se a Santa Zita — uma criada de servir — tinha artes assim. Sei que, quando aqui em Beire / Calvário aparece alguma mulher com artes assim (voluntária ou assalariada), eu dou graças a Deus. Por encontrar estas irmãs na arte de ser mães de família do coração. Empenhadas na mesma causa: aprender a ser pobre e a ensinar os pobres a servir os pobres como quem serve o próprio Deus. Penso naquela palavra da escritura (Prov 19,14): "Quem descobre uma mulher assim descobre algo excelente. Descobre uma bênção. Um grande tesouro".

Gente com vontade de aprender. Olho estas mulheres sábias na arte de governar uma casa. Mulheres que, daquilo que outras estragariam, sabem ir buscar coisas de que fazem maravilhas. Dispostas a aprender sempre mais e melhor. Sem martelar ninguém com tanto eu já sei, eu já sei na boca. Fechadas ao novo. Porque eu e eu e eu (...). Gosto de gente aberta à novidade. Disposta àquele nascer de novo que Nicodemos não entendia (Jo 3,2). Aprender para poder ser AINDA MAIS ÚTIL. A uma instituição pobre que vive destas ofertas e serve estes irmãos. Também eles bem irmanados na santa pobreza, a quem "a Boa Nova do reinado de Deus" está destinada. Irmãos que, pela sua condição de doentes, tanto precisam desses momentos mágicos / sabores divinais saídos das mãos destas mulheres que o mundo desconhece.

Um admirador