BEIRE
O sorriso do nosso Natal
Guardei o registo. Hoje, porque é Natal, dei comigo a ver sorrisos especiais em muitas caras. Nos doentes, rapazes, voluntários/as, assalariados/as. Mesmos naqueles/as em que um sorriso é bem mais raro do que uma árvore naqueles duros, secos e estéreis montes do alto do nosso Gerês - cuja sala de vistas de Portugal mora aos seus pés... Eis o registo gostoso daquele dia que as minhas memórias do coração ainda guardam:
O "deus do bem" e o "deus do mal"... — O sol estava ainda a espreguiçar-se sobre a mata / carvalheira que acolhe o Calvário - a nossa Aldeia dos Doentes. Sonhada a partir do Evangelho e realizada para ser de doentes, para doentes, pelos doentes. Um sonho (o último!) de Pai Américo. E uma revelação progressiva, timonada por P.e Baptista, ao longo de uns já 60 anos. Uma revelação em que Deus Se nos vem mostrando presente nas chagas sociais que Ele quer ver tratadas, bem acolhidas. Como quem pisa terra santa, em que é preciso descalçar as sandálias. Chagas não mais ignoradas e/ou escondidas - como tantos ainda tentam fazer. Só porque são a vergonha da nossa cara e dor do coração de muitos.
Porque o "deus do bem" e o "deus do mal" (qual trigo e joio, Mt 13, 36-43) sempre habitam a mesma terra, volta e meia parece que o "deus do bem" está a dormir na barca enquanto os ventos contrários sopram forte e feio... (Mc 4, 35-41). Mas, na certeza de que isto aqui é uma obra humana de sabor divino, nunca falta, entre voluntários e assalariados, quem não pare de remar rumo a porto seguro. Alicerçados na mesma Fé e mesma Esperança que alimenta essa Força do Espírito de Deus que impeliu Jesus a deixar a comodidade da sua terra e a partir em busca do Baptismo de João (Mc 1, 7-11). A preparar-se para que sobre Ele descesse o mesmo Espírito Santo a revelar-Lhe o tu és o meu filho predilecto. Porque estás disposto a aliviar a dor dos que sofrem, saciar a fome dos que agonizam por falta de alimento condigno, disposto a romper com os grilhões que roubam a liberdade dos oprimidos pelo poder - religioso e/ou político.
Um sorriso de festa que se espraia... - P.e Telmo tinha estado fora por bastante tempo. Ambos temos por hábito saudar nominalmente a cada um — se possível com um toquezinho personalizado. Naquela manhã, acabávamos de chegar ao Calvário para ajudar no pequeno almoço. Porque o dia se adivinha ameno e bonito, a Ermelinda já está no seu posto de vigia. Para, depois de pequenalmoçar, arrastar-se até ao sol, que já desce pela rampa dos pavilhões. Ao ver o carro e, já a sair de dentro dele, vê o P.e Telmo, a Ermelinda sente o coração a vestir-se-lhe de festa. Embandeira em arco: - Olh'ó xinhor Pe Telmo!... Hoje tá solinho!... Eu tomei banho. Estou bonita, oh!... Toda orgulhosa de si, mostra um colar que lhe cai sobre o peito.
Sinto-me apanhado pela magia deste momento. Partilho com P.e Telmo. Fico-me a ruminar. Como é que uma doente tão envinagrada, carregando tantos atrofiamentos - físicos e mentais, capaz deinfernizar a sério todo o ambiente em que se move, esconde em si tanta beleza, tanto coração, tanta proximidade e tanta alegria que se espirra assim desta maneira?!
O segredo de um Natal assim... — Com+TEMPLO estas caras. Tento decifrar estes olhares que brilham de alegrias renovadas. Ouço a cada um/a. Penso adivinhar o que me querem dizer. Porque pude testemunhar a doação sorridente das voluntárias/os e assalariadas/os que se uniram para que nada faltasse nem aos rapazes nem aos doentes. Vi os que vieram de propósito de longe para estar connosco na mesa dessa Noite Santa. Fazer família para os sem família. De todo o lado sai o mesmo foi muito bonito! Falam d'o todos juntos; d'a comida boa; d'os doces; d'as prendas. E, sobretudo, d'a Missa. Com música e elas a cantar... Não sabem dizer de música nem de ritmos e instrumentais africanos; nem quem são elas. As Irmãs Franciscanas Hospitaleiras, do Convento de N.a Sra. das Graças - aqui de Bairros, nossas vizinhas. Elas que, em cada domingo, à porta da Capela, com os nossos rapazes, se deixam tocar, beijar, ser próximas. Sobem, depois, aos pavilhões e tentam Saber-Estar com cada um/a. À sua medida - a medida de Jesus, ali crucificado. Uma Grande Bênção que o Céu põe ao nosso alcance, para sermos instrutores / re+criadores uns dos outros. Coisas que só o Amor revelado numa manjedoura é capaz de PRO+vocar...
Um admirador