BEIRE — Flashs do nosso quotidiano…
Pode ser Deus a chamar-me...
Acho que ela é essencialmente uma buscadora. Voluntária aqui em Beire quase desde a primeira hora. Sempre muito fiel aos seus compromissos com a Obra. O Ensino Especial de que todos estes rapazes necessitam mereceu-lhe particular atenção. E, agora que os rapazes já são todos homens feitos (?!...), ainda lhes dedica umas quatro horas semanais, repartidas por dois dias na semana. É um tempo tirado à família de sangue para servir esta também já sua família do coração. E quase se pode apalpar o quanto ela gosta dos rapazes e eles dela. Às terças e quintas a Escola é um lugar de festa — para ela e para eles. Basta ouvi-los no seu aconteceu isto e aquilo e aqueloutro. Tudo coisas de encantar.
A quando da crise das mudanças (crise — igual a dificuldade/oportunidade de crescer-se), ficou algo baralhada com tantas versões do que ouvia. Cada um de seu jeito, mas cada um puxa a brasa para a sua sardinha. Todos gostamos de fazer adeptos das nossas opções — não sou só eu a pensar assim... Mantendo-se fiel aos rapazes, também ela sentiu necessidade de arrumar o coração e a cabeça quanto ao novo rumo do seu ser voluntária no Calvário. Porque gosta das coisas muito claras, sempre que podia, lá vinha ela COM+versar as suas dúvidas. Nunca a senti a querer vender-me certezas — nem pró nem contra. Tudo conversas de quem busca um rumo certo que gere paz interior a esbordar para quantos com ela possam cruzar-se.
Há dias sucedeu isto: ao passar pelo Calvário, para descer até cá baixo, encontrou a Guida. Uma doente nossa, também muito especial. Sempre delicada, muito trabalhadeira, é mulher de poucas falas. Metida consigo, desgasta-se muito a ruminar desgraças. Ao passar, a senhora cumprimentou-a. Tudo coisas que sempre fez e a que nunca se seguiu nenhuma conversa. Mas naquele dia, a Guida, com o sorriso mais bonito do mundo e a voz mais meiga de um coração de mulher, disparou: — Agora a senhora abandonou-nos!...
Nesse mesmo dia, em conversas de fim de tarefa de dever cumprido, diz-me que isto da Guida mexeu com ela. E comentava: — Vou ter de rever a minha posição em relação ao Calvário. Pode ser Deus a chamar-me. Tenho de me decidir. Acho que vou voltar. O eco que esta sua partilha deixou em mim não me larga. É nestes pequenos nadas que eu vejo o Reino (reinado) de Deus a crescer. Aqui em Beire / Calvário. Porque sei que Deus se tem servido deste lugar para falar a muita gente. E de muitos modos. A cada um na sua própria língua (Act 2, 4-6). — Não podemos deixar estancar a fonte, continua Pai Américo a segredar-nos. Nesta dimensão da Obra da Rua que é o seu último sonho, realizado com a originalidade ímpar de P.e Baptista e a colaboração de muitos anónimos construtores do Reino.
* * *
Já depois de jantar, o Varito chama-me. — O Fenando vomitou... Vou onde ele é. No escuro da noite, vejo o Fernando sozinho, cabeça entre as mãos. Está debaixo do abacateiro, sentado numa beira de pedra, lá ao fundo das escadas que dão para a lavandaria / salão de jogos. Chamo-o. Vejo duas lágrimas grossas a correr-lhe pela face. — Vomitei. Dói-me a barriga...
Solto a galinha-Mãe que também há em mim. Acordada quando, pela primeira vez, depois da morte da Isaurinha, um dos meus filhos adoeceu. Fiquei um pouco atarantado, mas tinha que actuar. Aprendi a lição e hoje tudo correu bem: um telefonema ao enfermeiro, um comprimido, um cházinho com bolachas, um bocadinho de atenção só para o Fernando. Porque também ele, como todos os fernandos do mundo, precisa de ser visto, ser ouvido, ser tocado, ser compreendido, ser reconhecido...
A instituição ganharia deveras se todos os seus voluntários e/ou assalariados soubessem praticar generosamente esta verdade das Ciências do Homem: todo o ser humano, para viver equilibrado, precisa de 3:00h dia, de com+tacto — visual, auditivo, sensorial, psicológico.... Com o Fernando, naquele dia, tudo quanto era doença, o vento levou nas ondas daquele calor humano com que tentei atendê-lo. Quando, ao outro dia, pergunto como está, o Fernando todo sorri ao dizer que agora já estou melhor.
Acredito que também em mim eu posso ver o Reino dos Céus a crescer, sempre que arranjo tempo, paciência e força de vontade para fazer um cházinho para estes meninos... A sonhar com uma Galinha-Mãe que possa vir para cá render as que já caíram de cansaço...
Um admirador