BEIRE 

Eu vi o "reino dos céus a crescer"…

1. Ela voltou com um sorriso novo...

Voluntária das mais antigas, por razões de sua conta, ela precisou de afastar-se por uns tempos. Os seus amigos diziam que, no meio daquela tempestade das mudanças, ela precisaria de "arrumar as suas ideias e emoções". Mas que nada de temer. "Ela não é mulher para desistir". E eu vou aprendendo que é bom respeitar o jeito e os ritmos de cada um no seu estar de bem consigo, na vida.

Naquele dia precisei de sair. Ao voltar, passando pelo Calvário, dei com os olhos nela. Era o seu habitual dia certo. Mas já não fazia ali aquilo que sempre fizera — desde há anos. Agora descobrira um rumo novo para o seu voluntariado. Naquele momento, andava feliz a passear a nossa Rosalina. De braço dado, as duas esguichavam alegria e paz. Quando me encarei com elas, vi ali um momento de Tabor (Mt 17, 2). As duas transfiguradas em céu na terra. Cada uma a seu jeito, mas transfiguradas. Por aquela luz que, vinda do alto, irradia na terra um dinamismo humanizador que actua por atracção...

Parei a comungar com elas a minha alegria de as ver assim. Porque gosto daquela missão, ainda pouco vulgar mas tão necessária nesta casa. — Já fomos as duas ver os patos e as galinhas e os porquinhos... A Rosalina é uma doente muito difícil. Não fala (às vezes mais parece que guincha, grunhe, urra...). Quase não para. Mesmo ao comer. É frequente vermo-la a pinchar daqui para ali, dali para aqui, sem ritmos certos, emitindo sons que só Deus sabe o que significam... É preciso saber cativá-la para merecermos a sua companhia serena como a vi naquele dia. Mas o cativá-la demora o seu tempo. Exige ciência, técnica e arte. É exactamente tal e qual o que nos descreve O Principezinho naquele capítulo XXI, tido como um texto de antologia universal sobre a amizade: Os homens esqueceram-se de aprender a cativar... Porque isso exige tempo, paciência e muita força de vontade.

2. Gosto de ruminar isso d'o reino de Deus...

Despedi-me delas e desci a avenida a remoer. Jesus nunca nos deu uma definição acabada do que é o "Reino de Deus", o "Reino dos Céus" que tanto quis (e ainda quer!...) instaurar nesta Terra dos Homens por Ele amados. (Terra dos Homens - título de um livro de A. Saint-Exipery, que muito marcou a minha juventude). A exegese bíblica actual vai-nos dizendo que as expressões usadas por Jesus "entre vós", "no meio de vós", "dentro de vós", (...), querem dizer simplesmente isto: Sempre que algum homem ou alguma mulher, ouvindo essa nossa voz interior de compaixão por um irmão que sofre e, porque a ouviu, corre a aliviar-lhe o sofrimento, a saciar-lhe a fome, a criar com ele aquela fraternidade possível de que ele tanto precisa, aí está o "Reino de Deus" a crescer entre nós...

Foi ISSO que eu vi hoje naquele quadro. Sei que os olhos da carne não enxergam estas coisas. Por isso gosto de aprender a olhar. A ver com o coração. Porque ele vê mais longe do que os olhos.

3. Trago comigo Sonho de Natal para 2018

Em certos dias da semana, temos sempre um/a voluntario/a pelo dia todo. Andam por aí, fecunda e silenciosamente atarefados. Para fazer o que for urgente. E, em dias avulsos, também nos aparecem outros/as só porque é preciso cortar o cabelo aos rapazes; porque me está a fazer falta esta bênção dos doentes; porque é preciso arranjar-lhes as unhas das mãos e/ou dos pés; porque é preciso botar uma mãozita na fruta ou hortaliça que chegaram do Intermarché ou Banco Alimentar e ameaçam estragar-se, se não for aproveitada já. Vêm. Passam cá umas horitas. Estão com os rapazes e/ou com os doentes. Passam um filme. Animam um bocado de desporto. Conversam. Cortam cabelos, fazem barbas aos mais desajeitados que nem disso são capazes. Confeccionam marmeladas, compotas. Preparam legumes para a arca. Etc., etc., etc.. Não para substituir os assalariados. Esses têm a sua função / missão. Vêm e estão - só porque precisam dos que deles precisam...

Dou comigo a sonhar: Gostava de, ao menos em cada dia da semana, ver connosco um/a voluntário/a todo x pê tê ó (J1914-22/07/17).Para as necessidades mais prementes, que volta e meia por aqui aparecem. Sem falar na Necessidade Maior de uma Casa como esta - a presença continuada de uma Galinha-Mãe, à maneira do evangelho (Mt 23:37). Boa criadeira. Uma dessas que, sendo boa mãe, não é mãe-galinha... Porque sabe acolher os que precisam e, com o mesmo amor firme, sabe sacudir os egoísmos doentios dos que atropelam os mais fracos.

Um admirador