BEIRE

A "farruge" das nossas cabeças…

PORQUE ALIJÓ É SEMPRE "ALI JÁ"... Eu precisava de uma informação de como chegar a uma terrazita ali para as bandas de Cacia. Parei, saí do carro e dirigi-me a um camponês que passava. Ele sabia da informação, eu precisava dela e ele estava disposto a dar-ma. Só que ele tinha sido muitos anos emigrado em França. Falava-me "françoguês" e eu julgava que ele falava português. — Olhe, o senhor chega ali ó farruge e vira logo... Eu bem olhava mas não via nada que se parecesse com a ferrugem que eu tinha na cabeça... E porque eu, já meio en+ferrujado, não havia meio de perceber que o farruge dele nada tinha a ver com a minha ferrugem, o bom homem foi comigo até quase ao sítio. Ao ver o semáforo, logo se me fez luz — feur rouge / farruge... Rimo-nos. Porque quando ele saiu dali da sua terra, em Cacia, ainda não havia semáforos. Nunca ele tivera oportunidade de aprender tal palavrão... A nossa boa risada aproximou-nos, naquele agradecido aperto de mão com que nos despedimos. E eu lá fui em busca de alijó que ficava alijá...

   NÃO É POSSÍVEL NÃO COMUNICAR. Pois. Porque, conscientes disso ou não, bem ou mal, todo o mundo comunica. Sempre. Até mesmo aquilo que bem gostaria de nunca comunicar a ninguém... Em linguagem verbal ou não verbal, todo mundo sabe estar ali a dizer, em todo o seu silêncio: - ... eu preciso que me reconheças e me aceites como sou. Mas, desde o momento em que cada um, no seu "eu e as minhas circunstâncias", começa a levantar a sua "torre de babel" (Gn 11, 19), a comunicação torna-se o grande vazio das relações (des)humanas. Porque muitas vezes, quer de um lado, quer do outro, já não há mais pedra para chegar ao céu de um entendimento capaz... Por isso mesmo dizem lá os estudiosos que "oitenta por cento (80%!...) do tempo e das energias de um gestor são gastos a lidar com os problemas de pessoal".

   Acredito mesmo (e já o sinto nas minhas entranhas!) que de todas as grandes maravilhas da criação, nenhuma se pode comparar à grande maravilha de um Ser Humano(izando). E, porque acredito assim, encanta-me esta tarefa de, aqui no Calvário/Beire, tentar harmonizar (ou é só ilsusão minha?!...) as relações interpessoais. Há dias, depois de uma tentativa de conjugar interesses de trabalhadores com direito a férias e os interesses da instituição que lhes paga o serviço que nos prestam, dei comigo a pensar na cena da farruge, vivenciada já há uns bons anos e que acabo de vos relatar...

  DESENFERRUJAR-ME PARA DESENFERRUJAR. Ausculto a minha cabeça. Vejo-a já meio enferrujada para lidar com tanto problema - assalariados, voluntários, doentes, rapazes... Espanta-me que cabeças tão limpas, tão desenferrujadas em matéria de serviço, estejam ainda tão enferrujadas em matéria de relações de trabalho. Naquilo que, também elas, implicam relações interpessoais... Para aliviar a dor do que ausculto em mim, olho-me-nos à nossa volta. Sei que os "pecados dos outros" não me absolvem dos meus. Mas, ao ver que não sou só eu o "pecador", sinto algum alívio. Falso alívio, é certo... Mas ao menos não estou sozinho na (des)graça...

   Agarro-me ao eixo do meu agir essencial. Sinto de novo o gosto, uma verdadeira paixão, por trabalhar-me-nos nesta matéria. Penso no recado da raposa ao Pricipezinho quanto à arte de cativar (cap.21) — ... é preciso tempo, paciência e muita força de vontade. Quase sem querer, vou ainda parar ao Carpinteiro de Nazaré. Tomo consciência de que também Ele acreditou que, lá por detrás da ferrugem daqueles pescadores meio broncos, havia algo mais que viria a despertar. Sonhavam com um poleirozito junto ao trono real de um messias terreno (Mc 10, 35-45). Mas havia neles muita pureza de alma. Estava ainda muito viva esta fome de verdade, de beleza e de bondade que, no mais fundo do nosso SER, grita por uma oportunidade para se revelar em pujança. Essa Força do Espírito que nos torna capazes de acordar para a certeza de que não há lugar para onde ir porque só Tu tens palavras de vida eterna (Jo 6, 60-69).

Um admirador