BEIRE — Flash's


Lampejos de "vida em abundância"…

1 — … Olha, uma menina, no Hospital… Ontem, o Varito esteve todo o dia no Hospital, para uma vistoria de rotina àquelas pernas de que manqueja — desde há 67 anos… A Maria foi acompanhá-lo e não quis deixá-lo sozinho tempo nenhum. Mesmo quando lhe foi dito o venha-se embora, ele está entregue e depois telefonam-nos para irmos buscá-lo… A resposta saiu pronta e generosa: — Não, eu fico com ele!…

Hoje de manhã, Varito, manca que manca, sobe a avenida, com o seu balde no carrinho da comida dos porcos… Eu desço. Ainda à distância: — Olha, xô Bel, no Hospital, estava muita gente…Pois, passaste fome… — Não. Maria deu bolacha… Quando eu estava na cadeira, uma menina pikena, olhou pa'mim e fez assim, muitas vezes… Maria disse: olha Varito, a menina está a dar beijinhos p'a ti…

Todo ele era festa a contar-me a cena. Ria e voltava a repetir: — Fazia assim e Maria disse: está a dar beijinhos p'a ti… Ouvi. Escutei/auscultei. Ri com ele. Falei de nada. Porque aqui o importante não é o que se diz — é o estar com o Varito… Deixei-o seguir no desempenho regular da sua tarefa. E, colhendo o meu cacho de oportunidades nesta vinha da aventura que o Calvário é para todos nós, deixo-me tocar pela cena:

a) o mundo da menina e o seu gestinho de amor para com um desconhecido, no Hospital, numa cadeira de rodas;

b) a passividade do Varito frente ao insólito e a ajuda que lhe deu a Maria para que colhesse este cachinho de oportunidades que a vida lhe estava a oferecer;

c) a festa do Varito, já no depois, porque, com a ajuda da Maria, se deixou tocar pelo gesto da menina, a querer aliviar a dor de um doente desconhecido;

d) tudo O MAIS que aqui não digo. Não sei se por falta de espaço, de tempo ou por não saber mesmo dizer esse inefável que nos habita e, quando menos se espera, nos salta para fora a dizer-nos: — Preciso de vez e voz para me revelar; não me deixes apodrecer aqui dentro de ti, porque a vida é breve demais…

2 — Figos mais que "pingo de mel"… Ando no campo a ajudar Deus(1) a cumprir-Se — em mim e nesta porção de terra que nos foi entregue. Desde os primórdios da Criação: — Crescei, multiplicai-vos e cuidai desta minha Casa Comum que a vós confio. Para que a governeis com a Sabedoria que em vós inculquei ao fazer-vos à minha imagem e semelhança…

Paro-me frente a uma figueira novinha, que eu mesmo plantei há uns três a quatro anos. Um pezinho de figueira pingo de mel, que me deu a D. Beatriz, aquando de uma poda que teve de fazer na dela. — Leve um pezinho que ela dá uns figos muito bons. São pingo de mel!… Plantei num sítio solheiro, com água por perto…Ia passando a ver o que ela tinha para me dizer — sinto-me bem ou sinto-me mal; preciso de uma regadela capaz de me ajudar a fazer frente à sede que me ameaça; preciso de um adubozito para me agarrar melhor à nova terra em que me plantaste, etc.

Entre queixas e ações de graças, os anos passaram e os primeiros figos vieram. Passei. Os pássaros, que já tinham passado antes de mim, deixaram recado: — Se não te mexes, comemo-los todos… Botei a mão a dois ou três que estavam mesmo no seu Dia D… Que bem me souberam aqueles figuinhos!… Fui eu que plantei a figueira e, tanto quanto sei, cuidei dela — para que pudesse cumprir-se…

Acho que aquele sabor dos figos não era só de figos… Nesta altura do ano, figos há muitos. Mas estes foram criados por mim… Ficou-lhes o gosto do amor que nos une — neste dizermo-nos mutuamente a sabedoria da reciprocidade daquele "é dando que se recebe"…

3 — … Qu'é k'hoube pràí?!… Era ao princípio da manhã. Embebido em recados que precisava naquele dia, desço a avenida. Lá ao fundo, no seu inconfundível ciclemanque, vejo a Isabel. Paro antes de cruzar com ela. Para fugir à inevitável interrupção de meus diálogos internos. Pego no telemóvel e anoto prioridades de afazeres… Precauções tomadas, retomo a marcha quando ela já está perto. — Olha lá, qu'é k'houve prái?!… Fiquei a olhá-la. Ela explica-se: Vinhas pa'baixo e paraste…

O tempo não dá para mais e a minha paciência, se não tomo conta dela, frente à Isabel, é sempre pouca. Mas como ando a aprender a ter paciência, porque sei que «a paciência é o intervalo entre a semente e a flor», aproveitei a oportunidade e semeei: — Tive de parar para tomar nota de um recado… Sei que, se lhe desse corda, ficávamos ali num infindável recado de quê?!… Para ela bastou aquele bocadinho de atenção prestado à pessoa que a Isabel é. Porque criada à imagem e semelhança de Deus. Que, nela, Se nos mostra ferido — num convite à comUNI(h)ão que a Isabel é para cada um de nós. Se quisermos vê-l'O refletido nela — por detrás destas aparências nada sedutoras…Mas vale a pena ter paciência. Porque, na hora das flores, «a Isabelinha é mesmo um doce».

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1 — Tal como eu, pouca gente está educada a olhar-se a si próprio nesta d'IGNIdade. Para que estamos talhados por nascimento. Somos ajudantes de um Deus. Porque Ele decidiu precisar de nós para cumprir-SE como Criador e Senhor do Céu e da Terra… Ele não tem mãos — precisa das nossas… Não tem um computador — precisa do meu, para nos dizer estas coisas…).

Um admirador

[Escreve segundo o acordo ortográfico]