19 DE MARÇO DE 1932

Venho hoje a este mirante fazer um bocadinho de história, dar uma novidade e pedir uma opinião. Conto para tanto com a piedosa benevolência do público e desde já entro na matéria.

A Sopa dos Pobres, criação do senhor D. Manuel Luiz Coelho da Silva, foi inaugurada por ele no dia 19 de Março de 1932. Nessa data andava eu enfermo e, como não pudesse trabalhar, roguei ao então meu Prelado que me deixasse ao menos visitar Pobres e cuidar da Sopa deles, serviço este compatível com as minhas dores de cabeça de então.

Dentro em breve tempo e em virtude dos apelos aqui feitos, começa a ser espantosa a lista semanal das ofertas vindas de todo o mundo e publicadas no Correio de Coimbra: da Europa, da África, da América, de todas as províncias do País. Por avião, por vapor, por comboio, por camioneta, de automóvel, em carro de bois, em mão própria. Nas ruas, nas estradas, nos eléctricos, nas igrejas, nos comboios, nos hospitais, nas casas. Roupas, calçado, livros, selos. Patos, perus, cabritos, coelhos, galinhas. Azeite, batatas, feijão, doces, farinha, mel, mercearias. E dinheiro; muito dinheiro; muitíssimo dinheiro. O meu Prelado chama-me a contas e pergunta-me por elas; eu digo-lhe que as não tenho nem as faço. Resposta pronta e textual: «A sua vida é um mistifório». E nunca mais me interrogou. Eis um bocadinho de história.

Segue-se a novidade. Dizem-me que esta prosa é muito procurada e muito lida e, por ser original, gabada por todo o mundo. Aquilo que nós queremos, facilmente acreditamos; e como eu desejaria que realmente assim fosse, dei em acreditar e aceitei o conselho de um amigo, o qual amigo está respigando a prosa desde o seu início para ser publicada em edição de dois mil volumes, a sair mui brevemente. É impossível que estes livros não sejam num instante adquiridos no mercado para dar lugar a outros tantos; não pelo que eles valem, mas sim pelo que eles são: pão de Pobres. Aqui tens a novidade.

Vamos agora à opinião. O livro há-de ter um nome, síntese da Sopa dos Pobres e da Obra da Rua, para o qual eu peço e aceito opiniões de todos. Parece que as mães, pelos trabalhos que passam e dores que sofrem, deveriam ter o privilégio de escolher o nome dos seus filhos; mas não. Elas preferem dar essa alegria aos outros. Também eu. Aceitarei, pois, aquele nome que me sugerires, a não ser que um anjo do Céu me diga outro diferente, como fez no caso de João Baptista, o filho de Zacarias!

Pai Américo